Olhei para cima, o céu coalhado de nuvens tornando-se todo branco leitoso, em ondas crespas de vapor.
Hoje parto de avião para mais dias do que gostaria, longe de você.
Ansiosa por mais esta aventura e por um tamanho descanso que parece sonho e sentindo-me linda e poderosa, no assento ao lado da janela sobre a asa direita, estendida como se fosse uma ponte para o infinito, a fita do chapéu ansiosa por esvoaçar.
No chão, até onde a vista alcança, há apenas o verde cinzento, pontilhado de árvores baixas e gordinhas do cerrado no planalto central.
Assim que alçamos vôo, o céu branco que aparentava todo uma única onda na rebetação mostrou-se formado pelos mais diversos tipos de nuvens. Das pequenas e esparças, parecendo algodão-doce sendo formado na máquina, às grandes e densas, como montanhas de quartzo. Algumas escuras e planas, fininhas lá no alto. - Um paraíso a uma fotógrafa de nuvens.
Por vezes atravessamos uma dessas ilhas de vapor, tornando toda a visão da janelinha um grande clarão branco. Até que subimos o bastante para vê-las lá embaixo como maquetes de castelos loucos, como antes vi perfeita minha cidade como se fosse de papelão e espuma pintada. E, acima de nós, nada além do céu ciano intenso, abrindo-se a um universo desconhecido.
Algumas nuvens se estendiam sob a aeronave, planas como um edredom de malha sobre a cama num facho de sol, convidativa depois de um dia na piscina. Muitas centenas de metros abaixo, um largo rio lamacento serpenteava uma paisagem pontilhada de plantações em círculos e quadrados, de diversas cores. E os trechos de terra que apareciam no recorte entre as propriedades foram abandonando o tom vermelho ácido e se tornando branco brilhante, marrom pálido até chegar no vermelho-escuro saudável das terras da Bahia.
Nesse ponto, as nuvens fofas que delimitavam a orla celeste faziam lembrar prédios em uma metrópole grega. Em outros pontos, pequenas nuvens intercalavam-se com a projeção de sua sombra, produzindo um espetacular tabuleiro de xadrez gigante.
Quando veio o serviço de bordo, já tinha começado a assimilar de novo aspequenas delícias de estar sozinha. Tomei refrigerante e não havia quem me censurasse, alertando de que seu destino final seria as minhas coxas; nem pra se espantar de que consigo comer presunto e requeijão cremoso; nem pra me impedir de comer amendoim japonês (embora o tamanho da porção não fosse suficiente para ativar uma reação alérgica).
Quando a descida começou a ser sentida, lembrei-me da outra vez que fiz este trajeto: um dia e meio trancados no carro, com poucas paradas. Dormimos no "Universo", em Vitória da Conquista, jantamos bife à cavala, meu primeiro, e nunca havia comido nada tão delicioso. Depois acordamos cedo, pra chegar na pousada depois do almoço.
Se soubesse o que o tempo me reservava, tinha feito mais perguntas e passado mais tempo calada, pra ouvir as longas loucas histórias do meu avô, em vez de ficar imaginando o que ele pensaria dessas paisagens que descrevo sem pressa. Passa o tempo.
Hoje, sequer tive tempo o bastante para me enfadar da paisagem monótona das nuvens.
Novamente, as fotos só quando eu descarregar a máquina. Vai ser difícil escolher só uma...