Abro os olhos numa sexta-feira, cheia de afazeres não feitos no trabalho. O dia promete ser bem atribulado. Ainda assim, abro os olhos devagar, ciente de que o despertador ainda não tocou. Faço tudo devagar, levanto-me devagar, seduzo devagar, convenço devagar, amo devagar, e vou me arrastando para um banho que já devia ser apressado. Canto em voz alta sob a água, certa de que o som me sai doce e agradável. Saio andando molhada, observando minhas curvas e minha pele ainda levemente dourada.
Hoje encontrei duas gavetas de roupas minhas que eu nem lembrava que existiam, como um tesouro perdido despencando do céu no meu colo. Hoje uso preto, uma blusa que eu nem sabia que tinha. Acrescento um cinto fino, sem necessidade, e um bracelete de couro, com detalhes semelhantes. Faltam vinte minutos para entrar no trabalho e ainda não penteei os cabelos. Enfio os pés numa sapatilha de pano, parceira fiel nas badaladas noites de dança de salão. Ajeito os cabelos, fazendo seu novo cumprimento emoldurar-me o rosto e pego uma pontinha de pomada para garantir que ficarão assim e para estilizar o arrepiado atrás, que uso desde sabe-se-lá-quando. 9 minutos depois estou em frente ao elevador, o gosto doce de um copo de iogurte ainda nos lábios. Desço os vinte andares passando protetor solar no rosto, mirando o meu reflexo no vidro negro das paredes.
Hoje amanheceu um dia quente, com cheiro de domingo. Ouço Dave Matthews e Oasis no caminho. Dirijo leve, como seu eu soubesse o que estou fazendo.
Fazem mais de dois meses que, por conta própria, interrompi o uso dos antidepressivos. Isto mesmo, no plural. Passados os dias de sono insuportável, de insegurança e oscilação, de morosidade e melancolia, de compulsões incontidas, finalmente, movimento-me com a leveza de quem dormiu o suficiente, sem pesadelos, achando-me bonita, achando tudo belo. Acordo nesse calor de dezembro, anunciando o início do verão e a poesia está lá, me encarando com um sorriso misterioso e travesso. Atravesso as avenidas e a arte está lá, me contemplando como se eu fosse uma galeria com uma nova exposição. A irreparável consciência da finitude de volta à disposição para realizar, para viver. A plenitude voltando a existir para mim, sem nunca ter abandonado os meus dias, de fato. As estáticas paisagens cinzentas de repente movimentam-se em frenesi, cheias de cores vivas.
Quando me gosto, ouço rock, visto-me de punk, abandono os saltos altos.
E, como se só agora soubesse, penso em todas as coisas boas, as pessoas que cruzaram nestes dias pisando minhas raízes.
Desperto mais uma vez, torcendo para ficar maníaca nestes dias, para comemorar as festas com minha família, gastar tudo o que não tenho em presentes às pessoas que amo, ansiosa por ver o quanto Aninha cresceu, o Bê liderando a gang, o Arthur aprontando todas, como se nada mais importasse, o Rafa deixando rapidamente a infância para se tornar um rapazinho esperto...
Aí quero fazer festinhas para os muitos bebês que estão para chegar...
Divertir minhas amigas que estão para casar...
Kilda tinha razão: Como eu sou boba! Tudo isso já estava aí!
É como se eu estivesse sob as águas do tororomba, não com a leveza gelada que elas têm, mas imersa naquela escuridão intransponível e, simples como acordar de manhã, romper a superfície com o ar cálido invadindo meus pulmões exauridos.
2 comentários:
Desculpe pela ausência. Sempre conte comigo para fazer você gostar mais de si. Fazes o mesmo comigo. :)
Conte comigo para as noites no rock tbm.
=**
É bom ter uma pessoa como você para confiar.
Obrigada, minha amiga, pela presença constante.
:***
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