sábado, 21 de novembro de 2009

O Fim da Viagem Comigo


Impressionante como o tempo passa devagar quando não temos pressa. Mas, embora cada dia parecesse semanas na minha viagem solitária, rápido demais ela chegou ao fim e voltei a ter pressa e horários e discutir opiniões antes de decidir ir a qualquer lugar. Também não pude mais fazer o que quisesse e não fazer o que não quisesse. A vida real chamava insistente aos ouvidos, embora eu fingisse dar-lhe as boas vindas com sauda

de como se estivesse ansiosa pelo seu retorno, mas amargurava-me intimamente como se devesse me despedir de um amigo companheiro. Na verdade, como se me despedisse de mim e do tempo ótimo que passei comigo.

Olhei triste para meu quarto de hotel, meu abrigo aconchegante para o período de reclusão, tentando reter cada detalhe dele na memória, mas sabe

ndo já que as lembranças se esvairiam de mim como água entre os dedos, como sempre. Lenta e melancolicamente fechei a porta com a mesma s

ensação de quando preciso desligar o computador, deixando uma conversa agradável no gtalk pelas metades, ou quando preciso desligar o telefone, numa de minhas ligações interurbanas, ou quando não poucas vezes assisti fecharem com barro uma sepultura, fechei a porta, desejando fechar-me nela ainda, mas a mão veio automátic

a ao trinco, girando a chave.

Volto pra casa, pra vida real, como se minha realidade tivesse morrido. E, como todo processo de luto, demoro não mais que uma semana pra que minha vida voltasse ao normal, mas é claro, sem nunca voltar a ser a mesma.


Na foto, um trecho do caminho de volta.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Viagem Comigo IV

Depois do dia em que cheguei ao "meu" exílio e à "minha" pousadinha, acabei gastando muito pouco tempo descrevendo a viagem, estava mais curtindo mesmo. Assim, coloco diversas fotos do que aconteceu durante a semana. Claro que elas não são capazes de reproduzir o cheiro molhado da noite na cidade deserta, a voz das pessoas que conheci, minha surpresa encontrando cogumelos interessantes na beira do caminho para um clube, a complexidade de conversas despretensiosas, minha frustração em não ter nem a habilidade nem o equipamento necessários para fotografar as cenas lindas que eu via todos os dias no meu caminho, a tranquilidade de um homem caminhando no centro da cidade de roupão atoalhado amarelo às exatas meia-noite e 44 minutos de domingo, as cores exatas de flores e de nuvens brilhando com o sol do fim de tarde, e nunca serão capazes de transmitir a profundidade da sensação de liberdade que eu experimentava. Estão algumas dessas imagens aí, espero que apreciem.









Nesta, a cidade deserta por volta das 21hs. Isso aí é o centro, nem carro parado tem.

Nesta, a "minha praça". Onde conheci gente, vi coisas improváveis de acontecer em outros lugares, e vi palavras se perderem sobre meus olhos.


segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Viagem Comigo III


Já eram mais de 20hs quando terminei de acomodar minhas coisas na suíte. Parei em frente do mesmo espelho onde me vi sorrindo quando cheguei, satisfeita comigo, sem lembrar se já tinha feito isso antes. E vi completamente minha imagem nua, ainda sorridente, como não via há anos. Era um espelho lindo com uma moldura em pátina branca e parecia bem antigo também, embora não tivesse ainda as manchas que costumam surgir nos espelhos antigos. Me olhei mais um pouco e, da mesma forma que um mundo d

e beleza se descortinou pra mim na paisagem comum do cerrado verde e vermelho da época de chuva, vi-me e quase não me reconheci com meu penteado modernamente retrô e com meus quadris enormes. De fato, não foram apenas os números na balança. Não havia reparado ainda que tinha engordado tanto assim. Meu rosto estava agora tão redondo que meus olhos que sempre foram grandes quase sumiam nele. O formato de minhas nádegas mudara também, embora eu sempre tivesse me orgulhado delas, na verdade eu quase não as via, apenas presumia sua beleza. No todo, apesar da estranheza, ainda não era desagradável de olhar. Os seios agora redondos pelos quilos a mais continuavam muito pequenos e aparentando ainda menores no continuum do meu abdome redondo. Aper

tei-os com desgosto e mexi o meu piercing, apenas por hábito. Então reparei que há tempos não cuidava dele. Empurrei de um lado para o outro e percebi, com certa surpresa, que estava finalmente cicatrizado. Mais uma vez orgulhosa de mim, lembrei-me da promessa de que faria outro assim que esse cicatrizasse (e é bem provável que eu o faça aqui mesmo nessa cidadezinha, tão logo eu decida ir embora).

Queria que meu orientador me visse agora, escrevendo nua uma história, tentando seguir seus valiosos conselhos. Caminhei nua até a varanda e fiquei admirando de novo a praça verde, as piscinas, a roseira seminua, enquanto pensava no velho mestre, na minha mãe, nos meus amores e, mais que tudo, em mim. Demorei-me um bocado naquele vento frio antes de lembrar que estava nua e que a varanda ficava no prime

iro andar, plenamente visível para as outras varandas em volta e para a rua. Sorri, um pouco desafiando, um pouco desejando que algum passante desavisado me flagrasse e me imaginei sorrindo ali sozinha, pensando absorta se eu me importaria de ser vista...

Fui vetada de colocar uma foto nua, mas essa foto, tirada dias depois, ilustra o que eu estava dizendo. Achei essa foto divertida. Não tinha como ter muitas opções, não tirei muitas fotos minhas, uma vez que estava sozinha e não tenho o perfil de pré-adolescentes no orkut.

Viagem Comigo II


Então, cheguei, muito antes do esperado, à pousada absolutamente encantadora onde iria me hospedar.

Depois de trocar meia dúzia de palavras com o japonês da recepção e não entender nem metade do que foi dito, recebi a chave do quarto 09 e o japonês me despediu bom um boa noite sorridente, indicando de forma semi-compreensível o caminho e me deixando só e perdida e tive que subir 2 lances de escada arrastando minha mala absurdamente pesada. Provavelmente se houvesse mais um lance de escadas eu teria me arrependido de ter trazido comigo o computador, o DVD e um trilhão de textos para serem lidos em minha reclusão pró-dissertação. Mas com os dois lances me arrependi só dos textos...

Mas cheguei no quarto agradavelmente perfumado e me encantei com a infinitude de possibilidades que se abririam para mim, em minha solidão. Acertei cada chave na primeira tentativa, como se estivesse retornando para casa e já soubesse as chaves certas.

Despejei a bolsa e a pasta sobre uma mesinha de estudos a um canto, a mala pesada já esquecida no corredor e voltei para as chaves na maçaneta da porta e destranquei os cadeados de uma porta de vidro que se abria para uma varanda.

Respirei fundo o ar frio da chuva que devia ter caído há uma hora ou menos. No jardim à minha frente, uma roseira magricela brotara com uma única rosa vermelho magenta perfeita. Adiante das piscinas e da rua, uma praça toda verde entrecortada de caminhos e bancos de cimento me fizeram imaginar um passeio desses que as palavras dançam loucas sobre os olhos e tive, de novo, a sensação de que voltava pra casa.

Depois de aliviar-me da roupa apertada, lancei-me na mesinha, já ocupada com meus pertences. Organizei o notebook e o suporte de leitura e coloquei no canto o pequeno cinzeiro quadrado, única coisa sobre a mesa quando eu cheguei. De repente, me vi desejando um charuto e um copo de whískey e talvez um pouco de talento, pra me sentir Drummond, no espaço que criei.

Sem perder mais tempo, ocupei-me da mesa, a caneta de novo pronta e ávida para não perder nenhum segundo da pintura em movimento que as palavras são capazes de pintar.

E em seguida, a sensação já conhecida de insana liberdade, o impulso de sair e explorar toda a cidade como se tivesse acabado de compra-la e fosse toda minha. Porque assim são as insanas pessoas livres: elas se possuem e tudo passa a pertencê-las.


Na foto, a "minha" roseira em frente à "minha" varanda.

Viagem Comigo I


As fotos que tirei enquanto escrevia serão acrescentadas aos textos depois, quando eu voltar pra Brasília. A mulher da lanhouse não me deixa baixar elas aqui...

A Last Glance

Deixei a bagagem no ônibus e voltei correndo para lhe dar um últim

o beijo antes de partir. E quando fiz a curva não havia nada senão um vazio onde antes você estava. Voltei, tentando manter o bom humor, mesmo assim tive 2 ou três lágrimas para conter quando cheguei na minha poltrona. O ônibus partiu e fiquei em silêncio, deixando para trás as figuras da paisagem urbana de Bsb.

Um senhor barrigudo com uma trança até a metade das costas, andando de bicicleta; uma crente de blusinha azul e coque, abraçada com sua bíblia; um emo na parada de ônibus, com um alargador enorme na orelha esquerda; dois homens de macacão azul puxando com as enxadas areia para ser peneirada, numa construção; E, nos longos espaços verdes entre os prédios, um homem grisalho com os cabelos e barba desgrenhados, o peito moreno nu, brigando com uma árvore grossa na altura da 115 Sul. E, do lado de dentro do ônibus, eu. De fones de ouvido e chapéu, viajando sozinha e escrevendo com o balanço trêmulo do ônibus em movimento. Ouvindo música alternativa e escrevendo como se precisasse apenas do silêncio da solidão para que o bloqueio de meses se desfizesse. E tudo a minha volta fosse uma poesia pronta e só eu tivesse e só isso tivesse – a missão de destr

uí-la em palavras, porque nem todo mundo sabe ler antes de serem escritas. A poesia vem aos meus olhos pra o papel, como a lã do novelo nas agulhas de tricô, enquanto tento retratar toda essa beleza, mas sem saber desenhar.

Empreendo de novo essa viagem curta e solitária.

Fazia tempo que eu reclamava para mim que eu não me dava mais atenção, não gastava tempo comigo. Resolvi fazer essa viagem só eu e eu mesma, para me reaproximar de mim. Vou só, com todas essas minhas lágrimas contidas: vou gastar tempo comigo, pra não me perder.


Na primeira foto, a vista de Brasília no momento da partida. Na segunda, as paisagens da estrada, no exuberante verde brilhante e vermelho na terra na época de chuva aqui do cerrado.

domingo, 1 de novembro de 2009

Fotógrafa de Nuvens (II)


O fim de Outubro, enfim...

30/10/2009

E lá se foi mais um Outubro. Rarefeito, esvaziado, ele se foi.

Às vezes acho que estou tão ocupada que não tenho tido tempo para introspecções.

Ás vezes penso que ando tão introspectiva que os pensamentos não se tornam concretos e, por isso, mais voláteis do que de costume e nada fica, senão um espaço vazio. Um tempo que não vi com que gastei.

Apatia, ou coisas demais pra gastar tempo percebendo meus respondentes.

Penso bem racionalmente, e escolho sempre o caminho mais difícil, mesmo que o mais fácil pareça ser também o mais “correto”, se é que tal coisa existe.

Só me sinto satisfeita com tudo o que realizo, mas vazia, por achar que minhas realizações são friáveis, transitórias ou simplesmente por não estar realizando nada por mim mesma. Por trabalhar tanto e continuar sem ter cortinas na minha casa, sem poder fazer meu curso de cênicas, escrever a dissertação.
Sou uma fotógrafa de nuvens.
E esse outubro não foi mais que um longo, longo dia nublado.

Dias de Sol – Levando as crianças no zoológico


Para os dias bons e extremamente leves que intercalam minha rotina de fatalidades.


"Um retrato falante na parede, suas receitas de sucesso no fogão. Um tapa na cara da realidade. No dia zero de 2000. O vento bate ondulando a sua saia, o seu sorriso é um calendário maia...”

Um dia de sol e me encho de protetor para enfrentá-lo sem fugir para a penumbra. “O sol não é amigo de nós, branquelos azedos”. Aumento o som, sorrindo, a lembrança boa, enfim, como a chuva que passou.

Sua voz insistente, como um pernilongo tocando violino sobre meu rosto, enquanto durmo. Como se seu sussuro ficasse retumbando sempre, trilha sonora dos meus dias.

Volto a lembrar de você com uma leveza, de quem não pode perder o que nunca teve. A vida vindo, as árvores dançando na brisa leve do fim da primavera, verde e florida.

“Alguma coisa traduzida do latim. O seu olhar misterioso sobre mim...”

Paro de pensar em você, e te deixo ali do meu lado, distraída pela gargalhada gostosa do meu sobrinho querido, feliz comigo. Fico rindo com as crianças no banco de trás. A plenitude da felicidade. As letras trocadas fazendo sons cotidianos se tornarem a coisa mais deliciosa do mundo.

“O seu relógio de ponteiros geniosos não se preocupam com o horário de verão...”

E eu, que quis entrar em frente ao espelho quando o tempo chegasse, o vi chegar muito antes do esperado e presenciei o surgimento de cada ruga orgulhosa... E ainda mais orgulhosa, por ser o vinco marcado pelo meu sorriso constante. O que não quer dizer que não tenha sido doloroso, muito menos que eu as tenha aceitado sem lutar. E lutar contra elas foi ainda mais doloroso. Mas quando olho no retrovisor as crianças e seus cata-ventos, me importo cada vez menos com isso.

“É a aparência levantando a sua saia, o seu desejo de fugir da raia. Abrindo os olhos para as coisas lá do céu. O seu olhar garante o palco e o papel”.

Sofro meu Outubro com minha loucura instável, mas plena e feliz, e leve e completa. Não com ele opu com você. Só comigo mesma, do jeito que sempre disse, mas nem vi que quis.

Porque sou sozinha e o serei sempre.

Foi o que fiz do que foi feito de mim.

Já não tenho medo de nada, nem da solidão nem da vida, nem do fim.

E gosto ainda muito, mas muito mais de mim assim.

Gosto da minha companhia, gosto do que vejo no espelho.

Não há mais sombra nos meus olhos, nem escuridão que me assuste.

Só eu.


* - entre aspas: "Dia Zero" da banda watson, que eu ouvia no carro enquanto íamos para o zoo, as crianças ansiosas. Quem quiser conferir acesse www.bandawatson.com.br


Borderline

Alguns dos péssimos textos de Outubro. Não tive tempo de escrever muita coisa. Aproveito o início de minhas férias, só pra registrar. Deixo os que são impublicáveis para os dias que não fizerem diferença. E minhas palavras para dias melhores.
Chuva e sol, lágrimas e sorrisos para todo mundo.
Um bom novembro!

Sementes de Outubro

Este ano as estações se anteciparam e tive um gostinho amargo do outubro que estavapor vir desde agosto. Ou antes.

O frio me trouxe a perspectiva de que talvez não chegasse, mas um dia amanheceu ensolarado por uma semana e veio a chuva como se fosse novembro.

Eu pareço sentir com a primavera, alternando lágrimas e sorrisos, amargando uma decisão sem volta. Um “quando” ecoando no fundo dos cenários.

E é nesses dias que, sozinha, me lembro de quem não sou.

Quando sou o que não quero ser, sou covarde e presa na minha cadeia ontogenética. E para descontar, desconto na única pessoa que não quer sair do meu lado.

Meus amigos são de mentira.

Eu acabo sendo quem eles querem, da mesma forma que em casa.

Eu não sei de mim, quem quero ser. Apenas não sei.

Minha única amiga é esta caneta e nem ela é totalmente honesta...